Comunidades Semi-Isoladas Fundadas por Açorianos na Ilha de Santa Catarina
As comunidades da Costa da Lagoa (CLG) e São João do Rio Vermelho (SJRV) estão localizadas na Ilha de Santa Catarina, Sul do Brasil, e foram colonizadas na segunda metade do século XVIII por imigrantes vindos do Arquipélago de Açores. Estudos demográficos e genéticos têm mostrado também a presença de componentes africanos e ameríndios. A CLG é considerada geneticamente isolada devido à sua localização geográfica e SJRV está em fase de quebra de isolado pelo aumento de migração para o local, principalmente nos últimos 20 anos. Os objetivos deste estudo foram verificar a hipótese dos diferentes graus de isolamento nas duas comunidades, estimar as proporções de mistura étnica, assim como estabelecer comparações entre elas e com portugueses, especialmente açorianos. Para tal foram analisadas a estrutura populacional e a variabilidade genética com base nas freqüências gênicas dos loci autossômicos HUMCSF1PO, HUMTPOX, HUMTH01, MJD, D5S818, D7S820, D13S317, D16S539, e ligados ao cromossomo Y DYS19, DYS390, DYS391, DYS392, DYS393 e Alu YAP. Estes dados foram comparados com resultados prévios de estudos . históricos, demográficos e genéticos realizados nestas comunidades. Os loci do cromossomo Y foram incapazes de diferenciar as comunidades ('F IND. ST' = -0,001 P > 0,05), mas foram mais eficientes na diferenciação destas com as populações consideradas ancestrais, principalmente ameríndios e africanos (0,16 > 'G IND. ST' > 0,215). Os STRs autossômicos foram mais eficientes na diferenciação entre estas comunidades de origem comum e recente ('F IND. ST'= 0,005 P < 0,01). As comunidades mostraram mais similaridade em relação aos haplótipos do cromossomo Y ('F IND. ST' = 0,007; P > 0,05), o que poderia indicar um intercâmbio entre elas principalmente mediado pelo homens. As estimativas de mistura étnica baseadas nos loci autossômicos detectaram uma maior contribuição européia (CLG = 93,5% e SJRV = 80,6%), seguida da africana (CLG = 4,1% e SJRV = 12,6%) e uma baixa contribuição ameríndia (CLG = 2,4% e SJRV = 6,8%). Os loci ligados ao cromossomo Y apresentaram uma contribuição preponderantemente portuguesa/açoriana (CLG = 95,6% e SJRV = 94,1%) e não mostraram a presença do componente ameríndio. Estes dados, somados aos dendrogramas, mostraram que as comunidades apresentaram-se geneticamente próximas à população fundadora açoriana. A presença de maior déficit de heterozigotos e uma proporção de associações significativas 3 vezes maior entre loci não ligados na CLG indicaram uma maior estrutura populacional. Isto pode ser explicado pela presença de cruzamentos preferenciais, mais precisamente pela endogamia. Podemos concluir que as duas comunidades são triíbridas com predomínio do componente açoriano, sendo este ainda maior quando se consideram os loci ligados ao cromossomo Y. A maior proporção de não portugueses em SJRV indica que o fluxo gênico pode estar acelerando o processo de miscigenação nesta comunidade. Por outro lado, CLG apresentou maior estruturação populacional e excesso de homozigotos e pode ser considerada ainda geneticamente isolada. Estes resultados levam a conclusão de que a deriva genética pode ter tido um importante efeito na comunidade da CLG, enquanto que o fluxo gênico deve ser o fator evolucionário preponderante na alteração das freqüências gênicas na comunidade de SJRV.