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A figueira hoje

Imagem da centenária e lendária Figueira da Glette. Foto tirada em 24 de março de 2002.

Durante 50 anos, esqueci a Glete e a Figueira.  Mas, a lembrança deve ter ficado escondida, retida em algum neurônio, porque quando um dia, perguntada sobre algum lugar da cidade que me fosse significativo, logo emergiu a figura da grande árvore, da figueira inesquecível.  E no mapa da cidade que me foi apresentado eu a situei como ponto de referência de uma época de minha vida, época de felicidade, época de alegria. Em janeiro de 2003, pudemos tirar a Figueira do anonimato e torná-la personagem de uma matéria da TV Cultura. Só então eu a revi, depois de 50 anos. Foi um reencontro emocionante. Fui capaz de voltar no tempo para viver de novo uma época de satisfações intelectuais conseguidas, amizades formando suas bases, personalidades sendo montadas. A retomada da Glette fez com que em 2006 montássemos uma exposição na Biblioteca Dante Moreira Leite do Instituto de Psicologia da USP. Foi uma bela exposição em que se levantou a memória da Glette.E o que restou do espaço físico para os quase mil que estudaram no palacete Glete? Nada além de terra, restos de cimento, pedaços de muro. E a figueira, então conhecida como “Figueira da Glette”, sozinha no seu espaço urbano, com carros “encarapitados” sobre suas raízes. Ela sobreviveu. Sempre crescendo, seu tronco cada vez mais grosso, a cada ano produzindo folhas novas e figuinhos como frutos. Injuriada e maltratada, a Figueira sobrevive a duras penas. Recebeu sem que se saiba porque uma placa de identificação completamente errada. Felizmente substituída por placa certa. A pobre Figueira agora mistura-se a carros, fumaças, restos de coisas. Seus galhos chegam até o outro lado da rua e aí respira a fumaça de muitos e muitos ônibus do Terminal Princesa Isabel. E, ao cair da noite, o cheiro da fumaça muda: agora são os churrasquinhos “de gato” que alimentam uma população carente de tudo. Pelo mês de setembro os frutinhos – pequenos figuinhos – começam a despencar cobrindo o chão de “bolinhas”. Fazem até barulho. São pequenos frutos sem sementes porque a polinização natural não acontece. O agente polinizador, uma vespa, não existe aqui. A reprodução é só assexuada.

Por Neuza Guerreiro de Carvalho - março de 2011